Por Thomas Bergmann, bacharel em Direito
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A greve dos rodoviários em Porto Alegre, além de divergências outras, de ordem social e política, acarreta problemas também do ponto de vista jurídico, em sua maioria pertinentes ao específico ramo do Direito do Trabalho. No entanto, o direito é um só, sendo a sua divisão em “ramos” mero expediente metodológico viabilizador de seu estudo compartimentado. Daí existir o Direito Penal, Tributário, Administrativo, Ambiental etc.
Dentre as discussões jurídicas criadas pela indigitada greve, figura a pertinente à reparabilidade dos danos causados pela parada dos grevistas, da forma como se deu, em violação a determinações da Justiça do Trabalho fundamentadas na lei e na Constituição.
O sistema jurídico, permeado que é pelas mais variadas ideologias, ao garantir e outorgar direitos – cujo conteúdo, em última análise, é sempre uma conduta –, o faz em atenção a valorações diversas, decorrendo daí a necessidade de convivência, em uma mesma ordem jurídica, de direitos de conteúdo antinômico, isto é, que se contrapõem, ou são passíveis de contraposição, em casos específicos.
É inegável que os rodoviários possuem direito à greve, o qual é constitucionalmente garantido (CF, art. 8º). No entanto, como todo e qualquer direito, numa decorrência da necessária convivência com outros direitos de outros titulares em um mesmo sistema jurídico, aquele possui limites, que uma vez ultrapassados, ensejam a ilicitude.
Eis a teoria do abuso de direito, endossada no Código Civil (CC, art. 187) nos seguintes termos: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Pois bem. A Lei nº 7783/89, que regula o direito de greve, dispõe ser essencial o serviço de transporte coletivo (art. 10, V), donde decorre a obrigação de, mesmo na vigência da greve, serem prestados os serviços de transporte público indispensáveis ao atendimento das “necessidades inadiáveis da comunidade” (art. 11). Ao não cumprir com tal dever, e inobservar as normas da Lei nº 7783/89, os grevistas incorrem em abuso do direito de greve (art. 14), além de terem a responsabilidade dos seus atos apreciada à luz da legislação penal, trabalhista e civil (art. 15).
Ao praticar greve, em violação às normas da Lei nº 7783/89, e às determinação da Justiça Laboral, os rodoviários e sua entidade de representação – o sindicato – incorrem no ilícito do abuso de direito de greve, o que só é confirmado pelas multas impostas pela Justiça do Trabalho, que funcionam como sanção punitiva em relação ao ato ilícito praticado.
O Código Civil preceitua que aquele que comete ato ilícito, viola o direito de outrem e causa-lhe dano, é obrigado a reparar o dano causado (CC, art. 186 c/c art. 927). Outrossim, não há dúvida de que a Constituição garante aos brasileiros o direito ao serviço público, sejam essenciais ou não, e quanto aos primeiros, mesmo no caso de greve, assegura uma prestação mínima como direito público subjetivo do cidadão brasileiro.
Os rodoviários porto-alegrenses em greve, ao não prestarem o mínimo de transporte coletivo constitucional e legalmente assegurado aos cidadãos, incorrem em ilícito e, na medida em que causem danos, o que ocorre amiúde na capital do RS, têm a obrigação de repará-los.
Eis questão jurídica que surge da greve dos rodoviários ainda não abordada adequadamente, muito em razão do aspecto recente dos fatos. Os lesados, sejam empresários em suas atividades econômicas, sejam trabalhadores, entre outros, possuem o direito de bater às portas do Judiciário e, ao comprovar os danos sofridos, pedir reparação.